16.4.09

Em queda semi-livre

Dra. Mar,

Não aconteceu nada de interessante por agora. Nem sei porque estou aqui escrevendo, provavelmente porque não tenho nada melhor para fazer. O que posso dizer? Meu estado psicológico e emocional está que nem a bolsa de valores: após um brevíssimo suspiro e uma ligeira alta, ele despencou vertiginosamente até o mais fundo poço e acabou me deixando numa crise tão avassaladora que me forçou, veja a senhora, a pedir a ajuda de investidores estrangeiros.
Brigo todo dia comigo mesmo. Chutes no saco, arranhões, mordidas na orelha...acabo levando a maior surra, mas no final, ao preço de umas duas costelas e três dentes quebrados, eu venço. Pelo menos é nisso que eu quero acreditar.
Voltei a beber. Provavelmente duas vezes mais que antes. Antes eu bebia até não me reconhecer mais no espelho, agora eu não reconheço nem o espelho. O que não significa nem um pouco que agora eu esqueça alguma coisa. Continua a mesma merda.
Estou largando pouco a pouco a maioria dos meus amigos. Eles são bons demais para mim e não merecem nem 0,5% do que eu faço. A vida deles é bem melhor sem a minha interferência. A vida de qualquer um é melhor sem a minha interferência.
Aquele que tinha acabado de começar a namorar, lembra? Fiquei bem feliz com isso (obviamente não demonstrei). Bem, ele terminou. Disse seus motivos, mas no fundo provavelmente a culpa é minha. Essa sombra que eu sou, pairando em cima deles, nunca traz bons pensamentos ou julgamentos.
Ainda mantenho minha capa e máscara. Muito bem até. Mas já não vejo utilidade para isso. Não vejo mais objetivo em manter a farsa nauseabunda que sou.

Sim, doutora, eu estou no limite.

Estou a meio passo de desistir. Desistir de mim, dos meus amigos, dos meus ídolos, de todos. Desistir da vida, da felicidade, da esperança, do hoje, do amanhã, de tudo. Até da senhora.
Ando fazendo as coisas maquinalmente, até mesmo as piadas. Faço sem motivo, sem sentido, sem gosto, sem nenhuma vontade de continuar fazendo. Mas continuo. Por que, a senhora pergunta? Porque é preciso. Porque...
Não, não é preciso. Nada do que eu faço é necessário, nada tem sequer a mínima relevância. Não faz a menor diferença a minha existência para qualquer um. Eu não trago nada, eu não dou nada.
Então porque insisto, doutora? Porque eu continuo aqui? Eu não faço nada de especial. Nada. E olha que eu já tentei fazer tanta coisa...
Eu desenho, mas não sou nem um pouco inovador, sequer original.
Eu toco, mas tão miseravelmente quanto eu.
Eu sou inteligente, mas metade das pessoas que eu conheço me fazem parecer um rato num labirinto.
Eu jogo alguma coisa, mas um tetraplégico faz melhor só com a cabeça do que eu com o corpo todo.
Eu sou feio, chato, egoísta, imoral, desinteressante e uma porção de outras características desagradáveis.
Doutora, falta meio passo. E porque eu não escorrego? Acho que é porque eu estou esperando. Sei lá o que. Só estou esperando. Talvez alguém, talvez alguma coisa que me torne alguém útil.

Doutora, eu não acredito em milagres, mas eu desejo muito que alguém me prove que eu estou errado.
Que me mande um sinal.
Send me an angel.

O abismo é grande e eu não faço ideia se tem fundo.
Eu só queria, uma vez, um lampejo sólido de esperança.
A senhora tem algum aí, doutora? Alguém aí tem?

Porfavor...só um...

Um comentário:

Fernanda Pina disse...

Não rebaixe-se a si mesmo.
Orgulho em excesso é horrível, mas em falta é frustrante para o ser que o necessita.
Procure se achar em suas qualidades. Não é necessário ninguém apontá-las e sim você achá-las.
Creio que exista um monte dentro de si.

Fica bem :*