12.6.09

Carapaça

Dra. Mar,

peço relutantemente desculpas pelo texto incoerente da madrugada passada. Foi escrito sob o efeito de psicotrópicos legais e ilegais misturados a um filme sobre anões e o dia dos namorados.

Tá, pode fechar a boca agora. Seu queixo deve ter caído no umbigo, né? Limpa a baba. A senhora já não é nada sexy, babando então chega a me dar náusea.

A senhora bem sabe que não sou ligado a datas ou tradições. Estou pouco me fodendo para páscoa, natal ou qualquer feriado de merda como estes. Só curto a folga. É um domingo de brinde, nada mais. Sem significados ou espíritos presentes, passados ou, deus me livre, futuros. Também não ligo a mínima para feriados comerciais. Dia das mães, pais, crianças, sogras, papagaio, lontra, orgasmo...

Mas não o dia dos namorados.

Não no sentido que meus detratores devem estar resmungando resignados neste momento. Não no senso romântico. Sei lá. Me faz mal. Se tenho com quem passar esse dia eu simplesmente desapareço. Se não tenho me afundo num anonimato seguro em minha toca hermética. Telefone fora do gancho, internet desconectada, celular morto. Não quero ninguém, não desejo ninguém. Só quero ficar sozinho e celebrar minha liberdade egoísta.

Às vezes, isso enche o saco.
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Eu sentei no canto da cama. Era madrugada. Estava quente. Estava sem roupa.

A janela estava aberta, e o ar frio da noite poluída invadia minha privacidade. Gostaria de dizer que apenas as estrelas e a lua haviam sido as testemunhas de minha nudez, mas estaria sendo desnecessariamente poético. Mesmo porque não havia lua nem estrelas no céu poluído. Não, ninguém havia presenciado meu despudoramento noturno. Nem mesmo eu, que na verdade já esquecia o sonho como se ele fosse apenas uma névoa de bituca em meu cérebro. Não que fizesse diferença, era mais um sonho, como tantos outros.

Meu corpo estava amortecido o suficiente para que eu não pensasse nele. Minha boca entreaberta não dizia palavra. Estava seca como minha alma perdida. Meus olhos estavam tão remelentos que era uma esforço mantê-los abertos, mas em meu torpor não me importei. Era um cadáver insone.

Sem razão aparente, caí num choro agoniado. Apenas meu rosto se franziu com o irromper das lágrimas. O corpo permaneceu imóvel, exceto pelos espasmos pulmonares necessários para emitir gemidos angustiados. Não queria cobrir meu rosto. Não tinha vergonha de minhas lágrimas, pelo contrário, queria espalhá-las ao mundo, como uma chuva de canivetes agridoces. Queria que cada alma, cada condenado, cada filho da puta desse mundo recebesse uma gota dela. Que as ruas se inundassem de minha tristeza sem nome ou razão, mas nem mesmo consegui inundar meu próprio colo.

As lágrimas secaram, mas eu insisti no choro seco. Com a unha do polegar apertei a pele branca de minha coxa, até que ela se rompesse e o sangue fluísse. A dor foi excruciante, maldita, divina, libertadora. As lágrimas voltaram a correr por alguns segundos, mais pela dor física do que emocional, mas secaram novamente logo em seguida.

Espalhei o sangue que escorria pela perna. Era pouco, mas suficiente para tingir minha pele com um tom inicialmente róseo, e depois escarlate coagulado. Com a mão ainda suja usei-o como tinta para uma máscara de palhaço. Pintei cruzes sobre meus olhos, e um grande sorriso sangrento emoldurando minha boca.

O sangue parou de jorrar pela ferida. Era superficial e insignificante como minha angústia sem objetivo. Ergui-me.

Deixei o vento noturno lamber meu corpo, secando suor, sangue e lágrimas numa casca impenetrável, uma armadura biológica para quaisquer males que venham de fora. Era minha concha, minha carapaça, minha crisálida com cara de palhaço. E eu era um Louva a Deus ateu, esperando a decapitação pós-coito que nunca virá.
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Doutora, eu odeio o dia dos namorados.

Retificando: eu odeio o dia dos namorados SEM ELA.

Um comentário:

Unknown disse...

Pq vc nom me avisou dessas 3 ultimas atualizações =/

Worried about u